Conferência com Markus Emmert (ex-membro do conselho da Associação Federal Alemã de eMobilidade - BEM)
Hoje eu tenho o prazer de compartilhar minha conferência com um top voice alemão da eletromobilidade, Markus Emmert, ex-membro do conselho da Associação Federal Alemã de eMobilidade (BEM), consultor independente e autor do livro RestWert eAuto. Nesta entrevista abordamos temas como a trajetória alemã, para a mobilidade sustentável, baterias e economia circular, células de hidrogênio, entre outros tópicos interessantes.
O QUE PENSA O ESPECIALISTA
André Fortes Chaves
9/26/20259 min ler


Caro Markus, como parceiro na transição energética, particularmente na área da descarbonização da mobilidade, sinto-me muito honrado por ter a oportunidade de publicar uma entrevista sua no meu blog. Principalmente agora, no contexto da publicação do seu novo livro, "RestWert eAuto". Sem dúvida, temos muito a aprender com a sua experiência. Então, vamos às perguntas.
O que o inspirou a escrever o livro e qual é a principal mensagem que você gostaria que os leitores levassem? Qual foi o aspecto mais desafiador desse processo?
Por muitos anos, tenho sido repetidamente confrontado por diferentes partes interessadas e políticos na Alemanha com a mesma pergunta: O que realmente acontece com o valor residual dos carros elétricos? – já que os cálculos tradicionais mostram um declínio acentuado. Para mim, no entanto, esse problema nunca fez sentido. A razão é que não vejo a mobilidade apenas da perspectiva da transição do sistema de transmissão, mas sim no contexto mais amplo da transição energética.
Se pensarmos sistemicamente, fica claro que existem muitas sinergias lógicas. A bateria de tração de um veículo é apenas um exemplo de quão intimamente a mobilidade e o sistema energético estão conectados. O valor de uma tecnologia não deve ser medido apenas pelo seu uso imediato, mas também pela sua contribuição para o sistema como um todo.
Por exemplo, em um mundo que busca 100% de energia renovável, a capacidade de armazenamento se tornará um dos recursos mais escassos e valiosos. É aqui que surge a verdadeira força das baterias veiculares – seja por meio do carregamento bidirecional ou em cenários de segunda vida.
O maior desafio reside menos na tecnologia, mas sim em quebrar velhos padrões de pensamento. Trata-se de incentivar as pessoas a pensar de forma diferente – e, mais importante, a agir de forma diferente.
Na sua opinião, o que mais distingue a trajetória da Alemanha na eletromobilidade em comparação com outras regiões do mundo?
Esta pergunta não pode ser respondida em uma única frase, pois as diferenças são multifacetadas. A Alemanha é, em muitos aspectos, um caso especial.
Primeiro, a política desempenha um papel único: interesses nacionais, regulamentações da UE e o forte lobby automotivo, que ainda se apega aos motores de combustão. Isso atrasa muitos processos que se desenvolvem mais rapidamente em outros lugares.
Segundo, há fatores culturais e emocionais. O carro – especialmente o motor de combustão – continua sendo um símbolo de status na Alemanha, especialmente para gerações com poder de compra para comprar carros novos. Essa atitude molda o mercado e retarda a transformação.
Outro problema é a indústria: a Alemanha ainda carece de uma resposta convincente para a questão dos carros elétricos compactos e acessíveis. Outras regiões são muito mais pragmáticas aqui.
E quando se trata de transporte público, não somos ruins, mas outras nações mostram como ele pode ser ainda mais eficiente e fácil de usar.
Do lado positivo, a Alemanha progrediu na expansão das energias renováveis, embora ainda não estejamos entre os líderes globais.
Em suma: cada país tem sua própria lição de casa a fazer, moldada por especificidades nacionais. Ao mesmo tempo, existem estruturas internacionais que precisam ser construídas em conjunto – para que todos possam se beneficiar. E talvez esse seja o ponto forte da Alemanha: diferentes caminhos e abordagens podem, em última análise, levar a uma maior diversidade de inovações.
O hidrogênio verde é frequentemente mencionado como uma solução complementar à mobilidade elétrica. Como você vê seu papel hoje e no futuro?
O hidrogênio verde é um tópico importante – mas primeiro precisamos deixar claro que ele realmente significa hidrogênio 100% renovável. Qualquer outra coisa, como a mistura com fontes fósseis, dilui o termo e não ajuda.
Em termos de mobilidade, existem basicamente dois caminhos:
Combustão direta em motores – tecnicamente possível, mas com eficiência extremamente baixa.
Veículos movidos a célula de combustível – mais eficientes do que a combustão direta, mas ainda significativamente menos eficientes do que os veículos elétricos a bateria (BEVs).
Nenhuma das abordagens ganhou força no mercado de automóveis de passeio, nem acredito que ganharão. Os motivos são óbvios: altos custos de produção, menor eficiência e operação cara.
Dito isso, o hidrogênio verde está longe de ser redundante. Pelo contrário, precisaremos dele urgentemente – como substituto de gases fósseis na indústria e para a produção de eFuels. Estes são o "champanhe dos combustíveis" – caros, mas indispensáveis para setores que não podem ser facilmente eletrificados, como aviação, transporte marítimo, militar e certos veículos para fins especiais.
Mesmo no transporte rodoviário, os eFuels podem desempenhar um papel na fase de transição para as frotas existentes. Embora caros, eles ainda podem proporcionar mobilidade neutra em CO₂ onde uma mudança direta para veículos elétricos a bateria não é possível.
Além disso, em uma perspectiva global, o hidrogênio pode desempenhar um papel particularmente estratégico: regiões com forte potencial renovável – como muitos países latino-americanos – têm a chance de se tornarem grandes produtoras e exportadoras de hidrogênio verde.
Quais setores ou áreas do mercado você acredita que ainda estão "adormecidos", mas que podem se tornar atores-chave na eletromobilidade nos próximos anos? Se você tivesse que destacar um fator decisivo para acelerar a transição da mobilidade na Alemanha — tecnologia, regulamentação ou comportamento do consumidor — qual escolheria?
Existem várias áreas de mercado que permanecem subdesenvolvidas, mas apresentam enorme potencial. Entre elas estão a reciclagem de baterias, a homologação de baterias para uso em segunda vida, a gestão inteligente de recursos, o acoplamento setorial entre mobilidade e energia e a infraestrutura digital que deve conectar tudo isso.
Em última análise, precisamos dos três fatores: estruturas políticas claras, tecnologias funcionais e acessíveis e consumidores dispostos a adotá-las.
Se eu tivesse que destacar um fator decisivo, no entanto, seria a política. A política estabelece as barreiras, determina a direção e pode impulsionar a indústria e a sociedade com orientações claras. Discussões intermináveis sobre a chamada "neutralidade tecnológica" são contraproducentes neste contexto — elas retiram a segurança de investimento e planejamento de que tanto a indústria quanto os consumidores precisam urgentemente.
Quando a política fornece clareza, a tecnologia e a sociedade geralmente a seguem muito rapidamente.
Em que medida os veículos inteligentes dialogam com a eficiência energética?
“Veículos inteligentes” é um termo relativo. Se considerarmos veículos totalmente autônomos, eles podem de fato contribuir para uma maior eficiência – especialmente melhorando o fluxo de tráfego e otimizando o uso da infraestrutura.
O problema, no entanto, é que a infraestrutura necessária para a autonomia total em espaços de tráfego público ainda é amplamente inexistente. Isso torna a taxa de erro muito alta. Em ambientes controlados ou claramente definidos, a tecnologia já funciona bem e pode trazer benefícios reais.
O verdadeiro desafio não é o veículo inteligente individual, mas sim a criação de um sistema de mobilidade inteligente como um todo. É aqui que ainda nos falta expansão, previsão e direção política clara.
Dito isso, com a crescente digitalização e conectividade, os veículos inteligentes podem, no futuro, se tornar um importante componente para uma mobilidade mais eficiente, sustentável e fácil de usar.
Olhando para 2035: como você imagina que será o cotidiano nas cidades em termos de transporte e mobilidade?
Imaginar o futuro da mobilidade em 2035 é fascinante – mas é preciso ser realista: muito dependerá da política e das condições regionais.
Se levarmos a ideia adiante, o foco não deve ser na propriedade individual de carros, mas na mobilidade para todos: rápida, eficiente, acessível e a preços acessíveis a todos os grupos sociais.
Nas cidades, isso significa o mínimo possível de tráfego de carros particulares. Em vez disso, precisamos de transporte público bem desenvolvido e altamente eficiente, complementado por serviços compartilhados, ônibus autônomos e conexões multimodais inteligentes. Além disso, outros conceitos inovadores desempenharão um papel na mobilidade urbana – de bicicletas de carga a teleféricos e soluções de micromobilidade flexíveis e livres de emissões.
O objetivo seriam cidades com alta qualidade de vida: tranquilidade, ar puro e mais espaço para as pessoas em vez de carros. Uma cidade onde a mobilidade não seja sobre sacrifício, mas sobre liberdade – apenas organizada de forma diferente da atual.
Para regiões como a América Latina, isso abre uma oportunidade especial: muitas cidades podem projetar a mobilidade do zero, sem ficar presas a estruturas antigas e rígidas como em países industriais tradicionais.
Existe algum mito ou mal-entendido comum sobre eletromobilidade que você gostaria de esclarecer de uma vez por todas para o público em geral?
Existem muitos mitos em torno da eletromobilidade – e a maioria deles não se sustenta sob análise. Quatro exemplos:
“Baterias não duram muito.”
Falso – as baterias modernas são extremamente duráveis, muitas vezes durando muito mais que 300.000 km. E mesmo assim, elas têm um potencial significativo de “segunda vida” no sistema energético.
“Não há matérias-primas suficientes.”
Também não é verdade. Os recursos estão disponíveis – o verdadeiro desafio é o fornecimento responsável e a construção de uma verdadeira economia circular. Baterias não são produtos descartáveis; são um armazenamento reutilizável de matéria-prima.
“Carros elétricos são, em última análise, mais prejudiciais ao clima do que motores de combustão.”
Todos os estudos confiáveis mostram o oposto: após apenas algumas dezenas de milhares de quilômetros, os veículos elétricos são mais ecológicos – e sua vantagem cresce à medida que as energias renováveis se expandem.
“Carros elétricos não têm autonomia suficiente.”
Curiosamente, a Alemanha chegou a exportar a expressão “ansiedade de autonomia” para o exterior. Na realidade, a autonomia dos veículos elétricos modernos é mais do que suficiente para o uso diário. O verdadeiro problema reside na infraestrutura: o carregamento deve ser generalizado, confiável e conveniente. Uma vez que isso esteja implementado, a chamada “ansiedade de autonomia” desaparece.
Minha conclusão: a eletromobilidade não é uma solução mágica, mas é um pilar central da transição energética. Se a combinarmos de forma inteligente com energias renováveis, reciclagem e novos modelos de negócios, ela não só se tornará mais sustentável, como também economicamente mais atraente do que os motores de combustão. Quanto mais rápido deixarmos esses mitos para trás, mais rápido poderemos aproveitar as oportunidades.
Quando se trata de mobilidade em geral, todas as tecnologias veiculares dependem de baterias, o que as torna um componente muito sensível, mesmo sob uma perspectiva geopolítica. Diante disso, quão estratégica você considera a economia circular de baterias? Quais são as principais tendências tecnológicas para esse componente?
A bateria é o coração estratégico da eletromobilidade – técnica, econômica e geopoliticamente. Isso torna a economia circular absolutamente essencial.
As baterias são frequentemente vistas apenas como um fator de custo – mas essa visão é míope. Uma bateria de tração não é apenas um componente do sistema de transmissão; é também um valioso armazenamento de matéria-prima. Seus materiais têm alto valor intrínseco, e a própria bateria retém um potencial significativo após seu uso automotivo – particularmente em aplicações de segunda vida útil como armazenamento estacionário.
Isso significa que um veículo elétrico pode, após cinco ou dez anos, valer mais do que no momento da compra – se avaliarmos a bateria não apenas no contexto automotivo, mas dentro do sistema energético mais amplo. Essa mudança de paradigma é um tema central do meu livro.
As principais tendências que observo são:
Uso de baterias de segunda vida como armazenamento estacionário para apoiar a estabilidade da rede elétrica.
Economia circular e reciclagem, para garantir que recursos valiosos não sejam perdidos, mas sim reintroduzidos em novas baterias.
Análises transparentes do estado de saúde, permitindo uma avaliação precisa das baterias e abrindo novos modelos de negócios.
A mensagem é clara: a bateria não é um "resíduo" no final da vida útil de um carro, mas um ativo estratégico – para a indústria, o fornecimento de energia e a independência geopolítica.
Por fim, que conselho ou mensagem você compartilharia com os países latino-americanos que buscam acelerar sua transição para uma mobilidade mais sustentável?
Minha mensagem para a América Latina é: aproveitem suas oportunidades únicas! Muitos países da região têm um enorme potencial em energia renovável. Isso não só permite uma transição mais rápida para a mobilidade, como também abre as portas para se tornarem produtores de energia verde e hidrogênio – com relevância global.
Ao mesmo tempo, vale a pena aprender com os erros da Europa: debates intermináveis sobre "neutralidade tecnológica" apenas atrasam o progresso. O que é necessário são estruturas claras que proporcionem à indústria e aos consumidores segurança de investimento e planejamento.
Por fim, pensem sempre na mobilidade como parte de um sistema energético mais amplo. Uma bateria de veículo não é apenas um componente do sistema de transmissão – é também um ativo crucial para a estabilidade da rede elétrica, aplicações de segunda vida útil e economia circular. Aqueles que reconhecerem e implementarem isso precocemente obterão uma vantagem internacional.
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Um último ponto: nunca devemos encarar a transição para a mobilidade de forma isolada, mas sempre como parte de uma transição energética mais ampla. Somente quando energias renováveis, redes, armazenamento e mobilidade são vistos em conjunto é que as verdadeiras sinergias emergem – e é aí que residem as maiores oportunidades.

