Conferência com Petar Georgiev (Ampeco)
A indústria automotiva europeia está passando por profundos desafios e transformações. Recentemente a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, convocou uma discussão com a indústria e designou o comissário Tzitzikostas para elaborar um plano de ação para o setor. Nessa conferência com Petar Gerorgiev (Ampeco) discutimos os principais desafios para este momento tão sensível para a indústria europeia. Confira a íntegra. Petar é head of strategic alliances na AMPECO, empresa que também é membro na CharIN, rede global de eletromobilidade. Petar também é Vice Chair of Charge Up Europe's Policy Committee.
O QUE PENSA O ESPECIALISTA
André Fortes Chaves
2/4/20254 min ler


Petar, obrigado por concordar em participar desta série de entrevistas com especialistas. Sua contribuição será muito enriquecedora para que brasileiros possam compreender o que se passa na Europa neste momento. Poderia falar um pouco sobre você e sua empresa?
A AMPECO oferece soluções de gerenciamento de recarga que provê uma plataforma que vem sendo utilizada em mais de 60 países. As soluções compreendem o backend o aplicativo de celular, entre outros. Eu lidero o departamento de alianças estratégicas, mas também estou envolvido com o time de advocacy e assuntos regulatórios. Já trabalhei em Bruxelas e hoje trabalho na Bulgária, onde a AMPECO tem escritório. A empresa também é membro da CharIN, uma organização global. Também sou Vice Chair of Charge Up Europe's Policy Committee.
A Comissão Europeia está discutindo agora o futuro da indústria automotiva europeia. Por que a Comissão levantou esse debate com a indústria agora?
A comissão europeia já vinha falando com a indústria automotiva antes, não é algo que aconteceu só agora. Há diferentes fóruns por meio dos quais a Comissão Europeia vem abordando as montadoras no contexto da sustentabilidade, inclusive, mas também no que se refere a energia e assuntos regulatórios. Esse chamado da Comissão foi mais como um alarme de emergência que foi tocado por causa do que está acontecendo mundialmente e muito disso está associado com competição e políticas relacionadas. Isso pode ser ilustrado com o que está acontecendo nos Estados Unidos em termos de tarifas. Percebemos que a competição tem ficado cada vez mais séria e a Europa tem enfrentado dificuldades. Além disso, as cadeias de suprimento (que estão interconectadas) também envolvem questões relativas a emprego e matérias primas e as fábricas têm funcionado abaixo de suas capacidades. O terceiro ponto que gostaria de enfatizar é a redução na demanda por veículos, que temos testemunhado ao longo dos últimos cinco anos. Claro que tivemos uma recuperação pós Covid, especialmente para veículos elétricos, mas também vimos uma desaceleração. Essa redução na demanda é provavelmente um dos elementos que levaram a Comissão Europeia a tomar medidas para endereçar essa questão, ajudar a indústria automotiva e seu ecossistema. Não estamos falando apenas de montadoras, mas fornecedores de componentes e serviços que vêm associados, especialmente o de recarga de veículos.
Quais desafios atuais você destacaria como principais para a indústria europeia não ser lançada para trás?
Se tem um desafio que eu destacaria seria em termos de investimentos. Em outros mercados como a China há uma abordagem totalmente diferente em termos de negócios e do que o Estado pode interferir. Assim como é diferente nos Estados Unidos, mas que muitos fundos foram lançados, em formas diferentes, tais como incentivos fiscais, subsídios, entre outros como subvenções. O ponto é que a Europa vai ter que investir muito mais. De acordo com os cálculos da ONG Transport & Environment, a Europa precisa gastar aproximadamente 300 bilhões anualmente a partir de 2030 para que possa atingir suas metas climáticas. A questão é que esse investimento abrange o setor privado - incluindo montadoras, bancos, investidores institucionais – mas também envolve finanças públicas que devem catalisar esses investimentos privados. Tem também uma correlação interessante do estudo, que apresenta que a quantidade de subsídios providos para combustíveis fósseis é equivalente ao montante necessário para a descarbonização. Um grande desafio girar essa chave. Outro desafio é que as empresas estão cada vez mais preferindo fazer negócios fora da Europa, o que pode ser um dos efeitos do IRA. Muitas empresas de recarga preferiram se estabelecer nos Estados Unidos para ter incentivos fiscais, o mesmo se aplica para baterias e para veículos. Então, a Europa tem que fazer investimentos mais atrativos.
O comissário Tzitzikostas foi designado para elaborar um plano de ação para a indústria automotiva. O que Podemos esperar desse documento?
Não sei bem. O que sei é que está aberta uma consulta pública que aborda cinco ou seis tópicos incluídos. O que eu gostaria de ver incluído nessas discussões é, como falei mais cedo, o desafio em termos de investimento. Eu gostaria de ver uma utilização melhor de incentivos e subsídios de apoio, que proveja subvenções. Também esperaria um relaxamento regulatório, para facilitar acesso a mercados. Gostaria de ver, por fim, uma utilização mais efetiva de precificação de carbono. Acho que isso cairia bem no presente cenário. Estamos falando de transição energética de uma forma geral, então há uma grande oportunidade. Precificação de carbono é um grande tema e é algo que eu espero ver nesse plano de ação.
Os principais pontos de discussão incluirão inovação, transição para energia limpa e descarbonização, competitividade e resiliência, relações comerciais e as "condições de igualdade" internacionais, bem como simplificação regulatória e otimização de processos. Além dos instrumentos regulatórios, quais podem ser implementados para dar suporte ao setor?
Essa é uma boa pergunta. Eu entendo que o preço para os clientes finais deveria ser mais atrativo. Deveria haver mecanismos de mercado, mas mecanismos como subsídios sociais, como existe na França, para aquisição de veículos por determinados grupos. Num nível mais sistêmico eu pensaria em eletricidade. Na Europa existe os agentes de transmissão e os de distribuição, no caso em que a infraestrutura de recarga está mais conectada aos agentes de distribuição. O que acontece na França há uma empresa que controla 95% do sistema. Na Alemanha há 900 empresas no total. Estamos falando de realidades muito diferente de mercado. Então imagine uma empresa que opera nesses dois países além de outros dez. Ela terá que lidar com diferenças muito profundas para ter acesso ao sistema. A União Europeia tem que trabalhar para padronizar essa conexão aos sistemas de eletricidade. Eu estou muito engajado em trabalhar esse assunto com formuladores de políticas públicas, porque essa padronização iria acelerar o setor de infraestrutura de recarga. Se for bem balanceado é um ganho de negócio para os veículos e para o grid.