Cenário institucional das estações de recarga

Nesta publicação exponho considerações sobre o atual cenário institucional das estações de recarga no Brasil, abordando instrumentos regulatórios ilustrativos e apontando a necessidade de uma política nacional que estabeleça diretrizes, princípios e objetivos sistêmicos.

MINHAS CONSIDERAÇÕES

André Fortes Chaves

2/22/20246 min ler

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O crescente número de vendas de veículos eletrificados, bem como de instrumentos regulatórios para promover a mobilidade elétrica, incitam a necessidade de se pensar e planejar uma infraestrutura adequada para atender a demanda por eletricidade para abastecimento destes automóveis.

Isso se torna particularmente relevante se considerarmos as peculiaridades dos diversos espaços urbanos e das rodovias que interligam este país de dimensões continentais. A presente publicação visa trazer algumas considerações sobre o cenário institucional que se apresenta para este planejamento.

O que são estações de recarga?

Primeiramente, cabe destacarmos que, até o momento desta publicação, as estações de recarga são tratadas no nosso ordenamento jurídico em caráter infralegal, assim definidas no artigo 2°, XV, da Resolução n.º 1.000/2021 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL):

Estação de recarga: conjunto de softwares e equipamentos utilizados para o fornecimento de corrente alternada ou contínua ao veículo elétrico, instalado em um ou mais invólucros, com funções especiais de controle e de comunicação, e localizados fora do veículo.

Como mecanismo de indução à disseminação das estações de recarga, a ANEEL optou por um modelo de regulação mínima, segundo a qual qualquer interessado pode explorar a atividade de recarga a preços livremente negociados, que podem ser baseados em uma cobrança em tempo de recarga, kWh consumido, por recarga, entre outros.

Onde podem ser instaladas as estações de recarga?

Seja em espaços urbanos ou não, as estações podem ser instaladas em locais públicos (e.g. ruas, rodovias, praças, estacionamentos e edifícios públicos), privados (e.g. unidades residenciais ou comerciais e condomínios) e os chamados semipúblico (e.g. estacionamentos privados de acesso público, como em supermercados, faculdades e outros).

Qual o tratamento legislativo conferido às estações de recarga a nível federal?

Importa observar algumas disposições principiológicas a nível federal ainda em fase de proposição legislativa, como no caso do projeto de lei n.º 2.461/2021, que institui o Programa de Modernização Veicular e Mobilidade Elétrica – MoVE Brasil e traz definições como: estação de recarga, mobilidade elétrica, ponto de recarga de veículos elétricos, rede pública de mobilidade elétrica, tecnologias alternativas à combustão, veículo de baixíssima emissão, veículo elétrico e veículo elétrico híbrido. Ainda, se comparado a outras proposições, o projeto é inovador e notadamente abrangente à medida em que define diretrizes e objetivos sistêmicos.

Como são tratadas as estações de recarga no espaço urbano?

No contexto de estações instaladas em unidades individuais em espaços privados parece não haver grande controvérsia. As estações poderão ser instaladas de acordo com a necessidade do seu titular.

Já os condomínios poderão definir em assembleia regras próprias para instalação de estações, bem como para utilização de vagas eletrificadas. A eletrificação, no entanto, pode ser um pouco mais intrincada em casos de garagens e estacionamentos de vagas não vinculadas ou rotativas.

Há que se notar precedente legislativo o qual determina que novas edificações condominiais devam contar com soluções de recarga, como é o caso da Lei n.º 17.336/2020. Nesta mesma esfera, cumpre observar o caso do Decreto n.º 43.056/2022 do Distrito Federal, segundo o qual, para estacionamentos e garagens privados com mais de 100 vagas, deve ser previsto 1% do total de vagas com ponto de recarga exclusivo para automóveis elétricos. A tendência é que surjam novas iniciativas regulatórias como estas a fim de se organizar a eletrificação de estacionamentos e garagens.

No que se refere às estações públicas, são necessários instrumentos jurídicos para, por exemplo, autorizar a ocupação do solo e regular a instalação e manutenção das estações, como é o caso da do Decreto n.º 588/2020 do município de Curitiba, que estabelece o procedimento específico para aprovação de projetos de redes energizadas com implantação de poste para Estação de Recarga de Veículos Elétricos nas vias públicas do município.

Em suas prescrições o decreto dispõe sobre os documentos necessários a serem instruídos junto com os pedidos de aprovações e solicitações de alvará de projetos da concessionária de serviço público responsável pela distribuição de energia elétrica, que tenham por finalidade a instalação de redes energizadas com implantação de poste para estação de recarga de veículos elétricos nas vias públicas do município.

Outro exemplo de possível norma neste sentido é o Projeto de Lei Complementar n.º 7/2024, que tramita Câmara Municipal de Campinas. O projeto pretende estabelecer que, nos locais que forem autorizadas instalações de pontos de recarga, serão criadas vagas exclusivas para carros elétricos, de maneira rotativa, sendo permitido estacionar apenas durante o período de recarga. A proposição prevê, ainda, que, se convertida em Lei Complementar, o Poder Executivo deverá regulamentar a norma no prazo de 90 dias.

Observa-se, portanto, o surgimento de instrumentos que tratam do tema conforme interesse de cada município, de acordo com a realidade que lhe são próprias.

Qual a experiência com estações de recarga em rodovias?

Já no âmbito das rodovias, cabe observar que há duas categorias de contextos diferentes: as rodovias concedidas ou não, e os espaços públicos e privados em seu entorno. Não há, até o presente momento, um instrumento regulatório que crie incentivos e segurança jurídica para exploração destes espaços de acordo com suas especificidades.

As iniciativas puramente privadas para oferta de eletropostos no entorno de rodovias ainda são relativamente pontuais e notadamente verificadas em rodovias que ligam grandes centros urbanos, devido à maior concentração de demanda decorrente de presença mais expressiva de veículos elétricos e plug-in.

Verifica-se no cenário legislativo iniciativas que visam induzir a disseminação de infraestrutura de recarga, como é o caso do projeto de lei n.º 392/2023, que dispõe sobre a obrigatoriedade de que postos de abastecimento em rodovias federais tenham pontos de recarga para veículos elétricos, o que seria regulamentado pelo Poder Executivo. O projeto prevê, ainda, que a Lei de Diretrizes Orçamentárias preverá linhas de crédito para incentivar o alcance dos objetivos previstos.

Projetos similares são identificados a nível estadual, como é o caso do projeto de lei n.º 702/2023, o qual tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e visa instituir a obrigatoriedade de estações de recargas em postos de abastecimento localizados nas rodovias estaduais. A proposição, assim como no caso do projeto de lei federal n.º 392/2023, prevê que a Lei de Diretrizes Orçamentárias deverá prever linhas de crédito para viabilizar o alcance dos objetivos da possível lei.

Um instrumento que foi fundamental para a viabilização de corredores verdes no Brasil foi a Chamada Projeto Estratégico de Pesquisa e Desenvolvimento – P&D nº 22: “Desenvolvimento de Soluções em Mobilidade Elétrica Eficiente”, a qual aprovou 30 propostas ("Chamada 22"). Chamada 22 possibilitou a instalação de corredores elétricos nos Estados de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do chamado “corredor verde”, que conecta diversas capitais do Nordeste com um corredor de estações de recarga.

Perspectivas para eletrificação de rodovias.

Recentemente, no contexto do Plano de Ação para a Neoindustrialização lançado pelo governo federal, junto com a Confederação Nacional da Indústria, foram anunciados os chamados “corredores verdes”. O documento indicava que editais de concessão de rodovias poderão considerar a instalação de corredores sustentáveis, incluindo infraestrutura de recarga elétrica com conteúdo local, ao longo do trecho sob concessão. É, portanto, uma ação voltada para rodovias concedidas.

Constatações

A criação de instrumentos regulatórios capazes de induzir incentivos e proporcionar segurança jurídica para atrair investimentos é, de fato, um desafio. No âmbito urbano, a tendência é que surjam novas medidas capilarizadas para dispor sobre a ocupação do solo (para a própria instalação de estações e o uso de vagas), bem como surjam instrumentos voltados a solucionar a gerir recursos em condomínios. No contexto de rodovias, ainda carecem instrumentos capazes de conferir segurança jurídica e de incentivar a criação de eletropostos.

Por uma perspectiva nacional, apesar de já contarmos com proposições neste sentido, carecemos de uma política pública para dispor sobre princípios norteadores, como é o caso do Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica (RJME) de Portugal, aprovado através do Decreto-Lei n.º 39/2010, que visa garantir a universalidade e a equidade do acesso à rede de mobilidade elétrica, isto é, assegurar que qualquer utilizador possa acessar qualquer posto de carregamento de acesso público do país para carregar o seu veículo elétrico.